O deputado estadual Marcelo Freixo colheu, em 2010, os
frutos de um período de ascensão política vertiginosa. O protagonismo que
exerceu em momentos conturbados do Rio de Janeiro inspirou até um personagem de
filme. Nas telas de cinema, se transformou no deputado Fraga, de Tropa de Elite
2. Na vida real, Freixo alcançou visibilidade ao presidir a CPI das Milícias,
em 2008. Confira abaixo uma entrevista concedida pelo candidato à revista Veja.
O PSOL foi leniente
ao permitir o registro de um candidato ficha-suja?
A situação do Dinei (apelido de Valdinei Medina Machado da
Silva) é completamente diferente da do Berg. Ele se apresentou voluntariamente
à delegacia e cumpriu a pena. Saiu, ganhou condicional e agora está livre. Ele
tem passaporte e título de eleitor. Em função da mudança da lei, que agora só
permite a candidatura de um presidiário depois de oito anos de cumprimento da
pena, a candidatura foi impugnada. Dinei merece nosso estimulo porque há
preconceito com os egressos do sistema penitenciário. Ele é uma liderança
comunitária e só se tornou presidente da associação de moradores do Chapéu
Mangueira depois da instalação da Unidade de Polícia Pacificadora, a UPP.
O programa de governo
do PSOL para a prefeitura do Rio propõe mudanças no repasse de verbas públicas
para as escolas de samba. Se eleito, o senhor quer que apenas as agremiações
com enredos 'não comerciais' recebam ajuda do executivo municipal. É censura?
Minha história não tem a ver com isso, sempre tive mais
identificado com a liberdade do que qualquer outra coisa. Hoje você não tem
nenhuma prestação de contas do dinheiro público que vai às escolas de samba. É
vergonhoso. Pessoas muito respeitadas no mundo do samba têm dito que as
agremiações têm feito escolhas de enredos que são marcas. Não estou discutindo
o conteúdo do desfile, jamais quero fazer dirigismos. Se a escola escolhe - e
jamais o poder público pode interferir nisso - um produto para capitalizar a
agremiação, terá todo o direito de fazer isso. Mas não pode contar com o
dinheiro público para fazer a propaganda. Não faz sentido ter subsídio se a
proposta não tem nenhuma contrapartida cultural.
Se eleito, como vai
gerir carnaval?
A proposta é criar uma subsecretaria de Cultura vinculada ao
carnaval, assumindo papéis hoje da RioTur para dar mais transparecia aos recursos
públicos. Não há tradição de organizar debate eleitoral no mundo do samba. O
samba só é assunto de dezembro a fevereiro. Depois some. O curioso é que
falamos sobre Jogos Olímpicos e Copa do Mundo e esquecemos que o desfile de
carnaval é como uma Olimpíada por ano. É um grande evento, de visibilidade
internacional, que envolve dinheiro público e legado.
A Justiça Eleitoral
pediu para o senhor não ir à apresentação que Caetano Veloso e Chico Buarque
fizeram para arrecadar verba para a campanha. O que fez enquanto acontecia o
show?
Fiquei em casa. Depois do show, fui à casa da Paula Lavigne,
onde encontrei com Caetano e conversei até tarde.
A visibilidade do
senhor começou no conselho da comunidade, quando teve atuação marcante em rebeliões
de presídios. O senhor defendia os menos favorecidos. Hoje, a sua popularidade
é maior na zona sul, na parcela mais intelectualizada. O que explica isso?
A nossa votação é muito forte em quem tem mais acesso à
informação. Nós não temos máquina. O uso da máquina é mais relevante
eleitoralmente na zona norte e oeste. Sabemos o porquê. Nesses locais, o uso da
máquina muitas vezes define eleição. O último pleito para prefeito foi definido
nessas regiões por esse instrumento. A pesquisa DataFolha mostrou que 50% das
pessoas me conheciam. Isso significa que a outra metade nunca ouviu falar. Eu
aparecia em segundo lugar. Dos 50% que conheciam, só 14% diziam que me
conheciam bem, dos quais eu tinha 10% das intenções de voto. A leitura é: quem
conhece está votando. Qual é a estratégia de campanha? Ser conhecido. A minha
agenda é muito de zona norte e oeste. Temos mais militantes na chamada ‘zona
sul sociológica’. Eles são todos voluntários e estão espalhados em mais de cem
comitês.
O senhor anda
escoltado por seguranças desde que presidiu a CPI das Milícias. Por que decidiu
expor a sua família no programa eleitoral televisivo?
Isso foi delicado para a gente. Mas, se alguém quiser fazer
alguma coisa, não será conhecendo através do horário eleitoral. Não é isso que
me tornará mais ou menos vulnerável. Pelo contrário, se alguém quiser fazer
alguma coisa, sabe todos os meus caminhos, meus roteiros, quem é meu filho. Não
estou mexendo com pé-de-chinelo. A visibilidade, no meu caso, é instrumento de
defesa. A partir do momento que você compra uma briga, é pior sair do cenário.
Hoje, podem fazer alguma coisa comigo. Mas, se fizerem, a consequência será
muito mais forte. É importante também que a população entenda que não é um
candidato extraterrestre. Queremos disputar a cidade. Não estamos entrando para
marcar posição, mas para tentar chegar ao segundo turno. O desespero dos atuais
poderosos é o segundo turno.
O que o senhor faria
de diferente da gestão de seu principal concorrente, Eduardo Paes?
O modelo de gestão. Hoje vivemos uma cidade com muito
recurso e sem democracia. O Rio tem um paradigma autoritário. O poder público
não dialoga e não há canal de participação. Vivemos a cidadania do aplauso, só
somos chamados para grandes eventos, geralmente muito caros. Se olhar a lei
municipal, ela prevê conselho do meio ambiente, de saúde etc. Eles estão
desarticulados porque não têm função, não são utilizados como instrumento de
construção de política pública. Nós vamos trabalhar com ampla participação da
sociedade. Não fizemos os acordos tradicionais para chegar ao poder. Então
temos que ter outro acordo, que é com a sociedade civil. Se a população fosse
consultada, jamais a gente teria insistência no modelo rodoviário, jamais o
transporte para a zona oeste seria sobre rodas, mas sobre trilhos. Jamais a
linha 4 do metro seria continuidade da linha 1.
O que o senhor faria
de semelhante?
Nós queremos manter clinica de família, mas sem as O.S.,
porque não tem transparência nenhuma nos recursos. O Rio é campeão de amputação
por diabetes, hipertensão e fumantes, segundo os médicos da rede pública com os
quais conversei. Na cidade, 40% dos casos que chegam ao hospital por isso geram
amputação de perna e braço porque não há atendimento ambulatorial.
Uma das principais
bandeiras de Paes é a cooperação entre as três esferas do poder. O senhor é um
dos deputados mais críticos ao governo Cabral. Como seria a sua relação com os
governos estadual e federal?
A relação com o governador tem que ser republicana. Mas se o
governador está fazendo alguma coisa que prejudique a sociedade, a grande
aliança tem que ser com a sociedade. A aliança não pode provocar o silêncio do
prefeito, como foi em relação ao metrô. Nós queremos o trajeto original do
metrô, que é mais barato e eficaz. Se a sociedade fosse consultada, teríamos
outro metrô. Além do mais, essa união tem data de validade. Quem aqui hoje
assina que o governo do PMDB, de Paes, estará bem daqui a um ano com o PT?
Quando virar o ano, o PT se prepara para a campanha de Lindberg Farias. O PMDB
não vai apoiar e se preparará para lançar o Pezão. Essa boa relação tem prazo
de validade no Rio. Isso valeu para o governo que passou, o dialogo é
importante, traz recursos e é válido. E eu aplaudo. Mas isso não valerá para o
próximo porque o PT terá um projeto e o PMDB, outro.
O candidato do PSDB,
Otávio Leite, disse ao site de VEJA que a aliança entre o senhor e a vereadora
tucana Andrea Gouveia Vieira deveria ser explicada. Segundo Otávio, essa união
representa o “socialismo dinossáurico” e a elite carioca. É um contrassenso?
Algumas horas entendo o porquê de Otavio Leite rir sempre.
Ele é engraçado. Andrea é uma excelente vereadora do Rio de Janeiro. Ela me
procurou dizendo que candidato do partido dela era ruim. Nós dois temos muita
diferenças, como em relação à concepção de O.S.. Mas as diferenças sempre foram
tratadas em um campo político respeitoso. Estamos disputando uma cidade, não
estamos no comando de uma revolução. As nossas diferenças são menores do que as
nossas concordâncias sobre o que deve acontecer no Rio. Em uma próxima
conjuntura, é provável que estejamos separados porque ela é de um partido
diferente, com concepção diferente. Mas hoje temos acordo sobre o que deve
acontecer com transporte, saúde, educação. Isso é maior do que as diferenças -
a ponto de ela se licenciar do partido e, como cidadã, me apoiar, dando dados
sobre o Rio. É um apoio excelente. A disputa de uma cidade não se faz só com a
divisão da direita e esquerda, mas também de um campo ético.
Tudo indica que a maioria
da nova Câmara dos Vereadores pertencerá à base aliada de Eduardo Paes. Como
seria um governo do senhor sem o apoio do legislativo?
É muito fácil ter maioria na câmara. O maior partido é
sempre o PG, o Partido do Governo. Os instrumentos habituais para se conseguir
maioria na câmara não são os usuais do PSOL. A nossa vontade é que a câmara
fiscalize o executivo e trabalhe junto com conselho de moradores. O objetivo é
fazer com que conselhos de transporte e meio ambiente, por exemplo, trabalhem
dentro do legislativo. Não estou propondo algo que existe em Havana, mas algo
que existe em Nova York, onde os conselhos de moradores são extremamente
atuantes. A câmara municipal de lá não aprova o orçamento antes de os conselhos
populares de moradores darem o aval. Queremos conselho municipal de orçamento
participativo.
Há uma série de
questões à espera do próximo prefeito. Uma delas o velódromo, estrutura
construída para o Pan-americano fora dos padrões olímpicos. Qual é a solução?
Hoje, estamos muito mais próximos de repetir os erros do Pan
de 2007 do que de fazer algo que traga beneficio para a cidade. Se você olhar o
Pan, 95% do dinheiro gasto foi público e a cidade não ganhou nada. E os
equipamentos do Pan não serão usados para a Olimpíada. A vila do Pan foi
construída dentro de uma área de preservação permanente, o esgoto sai direto no
manguezal, o terreno está cedendo e só 30% dos equipamentos estão ocupados. Em
Londres, metade dos apartamentos da Vila Olímpica foi destinada à população de
baixa renda. E a cidade não tem o déficit habitacional que nós temos no Rio.
Aqui ninguém quer discutir isso, parece proposta de comunista. Fizeram uma
Parceria Público Privada do prefeito. A figura do prefeito perdeu seu caráter
público e só governa para a lógica do interesse privado, que é muito bem-vindo,
desde que o espaço público esteja garantido. São instâncias distintas e podem e
devem trabalhar juntas.
E quanto à Cidade da
Música?
Ela tem que funcionar. A marca que ficou para o ex-prefeito
(Cesar Maia) é do superfaturamento. Ele superfaturou até dizer chega. Tem que
ver o custeio e como pode funcionar melhor. Não sei o que é pior: o valor gasto
para a construção ou deixar parado. As duas coisas são absolutamente
equivocadas. A estrutura está lá. Agora, temos que dar a melhor utilidade
possível. Acho que tem que ter muita parceria com a iniciativa privada.
As ideias de esquerda
têm atraído o voto da juventude para sua campanha. A pregação ideológica não
parece ultrapassada?
Nosso radicalismo é na decência. Nós vivemos no século XXI,
não no século XIX. No século 21, o radicalismo tem que estar fundamentalmente
nos princípios republicanos, na forma de tratar o dinheiro público. Não existe
meia transparência. Ou é ou não é. A diferença fundamental se dá na relação
entre Estado e sociedade. Nós não vamos transformar o Rio de Janeiro em um Rio
socialista através da eleição. O projeto não é esse. Defendemos uma democracia
amplamente significativa. Prefiro um conselho de moradores a um subprefeito.
Acho que há um componente ideológico quando digo que acredito na sociedade
participativa, quando digo que quero agradar menos a Fetranspor (Federação das
Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio) e mais ao usuário do
ônibus. Quem diz que governa para todo mundo mente para alguém. Essa é uma
escolha ideológica, mas não é uma revolução.
O fato de a segurança
ser de competência estadual acaba por justificar as poucas ações da prefeitura.
Qual é a sua proposta para a área?
O que é estadual são as polícias, não a segurança. Uma
sociedade que precisa de muita polícia é segura? Não é. Queremos mudar a guarda
municipal, desmilitarizá-la e aproximar o guarda do cidadão e de uma cultura de
direitos. Queremos formar matriz de gerenciamento integrado com um grupo
pequeno de até cinco pessoas vinculadas ao prefeito. Elas mapearão a cidade e
pensarão o Rio em termos de segurança, com livre acesso às secretarias
municipais. É claro que trabalharemos junto com o governo estadual. Minha
relação com o Beltrame é melhor do que a de qualquer um. Não sei se o prejudico
falando isso (risos). Esse grupo que trabalhará comigo vai ter muito diálogo
com Beltrame.
O senhor é favorável
à internação compulsória de crianças e adolescentes viciados em crack?
Sou contra. Sou favorável a outra percepção. Não temos um
diagnóstico do problema até hoje. Qual é a real situação do crack? O crack tem
que ser tratado pela política de saúde. Assistência social é complementar.
Hoje, os profissionais de saúde estão completamente ausentes. Queremos
consultórios de rua e os Caps (Centro de Atenção Psicossocial). Isso é muito
mais eficiente. Não há informações sobre a internação compulsória. O relatório
recente feito pelos conselhos regionais de Psicologia e Assistência Social e
pela Comissão de Direitos Humanos da Alerj (da qual Freixo faz parte) mostra
que os garotos estão sendo dopados com a mesma dosagem para todos eles,
independentemente do diagnóstico para cada um deles. Além disso, quatro dos
cinco abrigos existentes pertencem a uma ONG para lá de suspeita, com contratos
de valores surpreendentes, que faz tratamento espiritual e pertence a um
policial.
Qual é a sua posição
sobre a descriminalização da maconha?
Quero debater isso com o governo federal. Isso não separa
direita da equerda. Basta ver a posição do Fernando Henrique Cardoso. Acho que
precisamos avançar nesse debate da descriminalização das drogas por uma razão
simples: o álcool é para mim um dos maiores desafios em termos de política de
saúde e preocupação com drogas pelo peso dos acidentes, número de vítimas,
doenças. Ainda assim, não faz sentido criminalizar o álcool. Há uma redução do
consumo de cigarros nos últimos anos. Isso se dá, sobretudo, por causa do enfrentamento
às propagandas. O debate sobre legalização é urgente. Não pode ser um debate
moral ou religioso.
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