quinta-feira, 7 de julho de 2011

Bacharel em Ciências Sociais escreve sobre a Maconha

Tendo como motivação a polêmica discussão sobre a descriminalização da cannabis sativa no mundo e no Brasil, o presente texto tem por finalidade compreender quais argumentos sustentam este posicionamento. O objetivo principal aqui não é manifestar um posicionamento favorável ou contrário, subjetivo ou ideológico, mas sim uma análise a partir de um viés científico e sociológico.

Identificamos três pontos importantes que impedem uma discussão ampla no Brasil sobre o assunto: a repressão do Estado às manifestações e proposições de diálogo da sociedade civil organizada; a divulgação sensacionalista e tendenciosa da grande mídia, que não produz uma reflexão crítica da questão por parte da opinião pública; e, a ausência do diálogo franco e democrático do assunto nos diferentes setores sociais, resultado de uma orientação superficial e espetacular dos meios de informação de massa.

A repressão do Estado aos manifestantes da marcha em favor da descriminalização da cannabis retrata a ausência do diálogo e uma forte manifestação conservadora, que reproduz o autoritarismo e a censura à opinião subjetiva de seus cidadãos livres e autônomos em uma nação “democrática”.

Já no que se refere às notícias veiculadas nos canais abertos de televisão, com grande poder de cobertura no território nacional, observa-se um sensacionalismo tendencioso, que banaliza o debate e produz uma descrença nas pessoas, com discursos de que os representantes parlamentares e estudiosos do assunto deveriam estar mais preocupados com as questões da educação, da saúde, da moradia, da segurança pública e demais necessidades dos brasileiros.

A dificuldade no estabelecimento de diálogos abertos sobre os danos causados pelas drogas provoca reações negativas nas pessoas que associam, equivocadamente, o uso de drogas a comportamentos criminosos. Esta concepção no imaginário popular é muito forte e aborda o assunto com dificuldade e reservas. Ao que parece, a polêmica sobre a descriminalização da cannabis sativa está mais no campo ideológico de poder e controle comercial do que no diálogo racional em busca de soluções e benefícios para todos.

O assunto ganhou considerável relevância com a declaração do sociólogo e ex-presidente da república Fernando Henrique Cardoso como favorável à descriminalização. No entanto, o que nos chamou a atenção foi como algumas notícias ‘focaram’ mais a opinião pessoal de algumas personalidades públicas do que, precisamente, as pesquisas, as estatísticas e os estudos científicos produzidos em todo o mundo sobre os efeitos das drogas.

A Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia presidida pelos ex-presidentes César Gaviria, da Colômbia, Ernesto Zedillo, do México e Fernando Henrique Cardoso, do Brasil publicou, após um ano de estudos, debates, entrevistas e reuniões o Relatório Final onde avalia a atual Política de Drogas e seus impactos na América Latina. A iniciativa da comissão é propor um diálogo aberto e democrático à comunidade internacional e à Organização das Nações Unidas para um novo olhar na maneira como o mundo entende e trata o uso de drogas pelos seres humanos.

O relatório apresenta as políticas adotadas pelos Estados Unidos e por alguns países da Europa. Os americanos adotaram a política proibicionista cujo foco está na repressão e criminalização dos usuários, aumentando, desta forma, a população carcerária em onze vezes desde a década de 80, atingindo meio milhão de pessoas até o ano de 2007. Esse modelo se mostrou ineficaz e oneroso para os cofres públicos e, além disso, não causou prejuízos ao crime organizado, mantendo inalterável a demanda pelo consumo e a produção de entorpecentes nos países fornecedores, mesmo com as grandes apreensões e destruições de drogas em todo o mundo. Um exemplo disto foi o plano americano implantado em países da América Latina que não conseguiu atingir as metas de redução do consumo.

Na Europa as “políticas de redução de danos consistem numa estratégia que trata o consumo de drogas como uma questão de saúde pública, na qual o dependente é visto como pessoa que precisa ser auxiliada ao invés de um criminoso que deve ser castigado”. O foco central desta perspectiva está em associar a descriminalização do consumo a políticas de redução de danos. Essa abordagem tem se mostrado muito eficaz e mais humanitária em contraste com a abordagem proibicionista.

Nesse sentido, descriminalizar não é liberar sem qualquer responsabilidade penal ou racionalidade quanto aos anseios da sociedade. Os resultados alcançados nos países europeus demonstram que ao considerar o usuário como alguém que necessita de orientação e tratamento clínico para a superação ao uso das drogas, houve uma diminuição considerável da demanda pelo consumo e, consequentemente, uma redução da produção de drogas.

Assim, o consumo de entorpecentes passa a ser visto como caso de saúde pública e não como caso de polícia. A criminalização não está no consumo, mas concentra-se na desarticulação da produção das drogas ilícitas, principalmente por haver pouca demanda. Outro fator importante da descriminalização, segundo o relatório, seria a redução considerável das doenças contagiosas como o HIV pelo uso coletivo de seringas.

No caso brasileiro seriam necessárias mudanças na legislação, campanhas de educação, tratamento dos usuários, informação e conscientização para o enfrentamento dos problemas causados pelas drogas, sem deixar de lado uma reestruturação do sistema público de saúde. De acordo com o estudo da Comissão Latino-America essas medidas causariam mais impacto e eficácia na redução da produção ilícita de drogas e na resolução dos problemas sociais relacionados a elas.

Desta forma, o debate sobre a descriminalização da cannabis sativa está além da superficialidade e do sensacionalismo tendencioso veiculado nos meios de comunicação. Trata-se de um assunto que deve ser considerado como responsabilidade de todos os setores da sociedade. Para os pesquisadores as “novas políticas e campanhas educativas devem estar acompanhadas de pesquisa sistemática que apóie a tomada de decisões para agir de forma eficaz na prevenção, informação, educação e tratamento” dos usuários.

Resumidamente, a proposta sobre a descriminalização da cannabis sativa fundamenta-se no entendimento de que a “construção do bem comum exige soluções corajosas que só podem ser desenvolvidas por um debate aberto que fortaleça a disposição a experimentar novas soluções. Trata-se de um tema complexo que exige a mobilização das mais diversas áreas de conhecimento e da ação coordenada das várias instituições e de políticas públicas”.

Se há entendimento de que a grande mídia, por se tratar de uma concessão pública, tem o dever ético e moral em problematizar a discussão junto à sociedade brasileira, então esta deve estar desprendida de qualquer orientação ideológica ou comercial, possibilitando um diálogo crítico das ideias, onde as escolhas possam contemplar as manifestações e que, por fim, sejam as melhores para o bem de todos.

Rogério Fernandes Lemes () () É Bacharel em Ciências Sociais pela UFGD e acadêmico de Teologia pela FATAP. e-mail: lemesms@gmail.com

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