quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA E A CRIMINALIZAÇÃO DA MACONHA (Dr André Barros)

“...é possível que um individuo já propenso ao crime, pelo efeito exercido pela droga, privado de inibições e de controle normal, com o juízo deformado, leve a prática seus projetos criminosos “

Sem qualquer base empírica, Rodrigues Dória fez esse discurso supostamente científico. Professor de Medicina Pública de Direito da Bahia, presidente da Sociedade de Medicina Legal, ex-presidente do Estado de Sergipe, o psiquiatra brasileiro teve grande influência na criminalização da maconha. Associava o consumo à vingança dos negros “selvagens” contra os brancos “civilizados” que os escravizaram. Vejamos um fragmento de seu texto elitista e etnocêntrico, pretensiosamente civilizado, discriminando a cultura, a religião e o maravilhoso diálogo rimado da diversidade cultural brasileira dos negros, nativos e pobres, em que associava tudo de mal à maconha:

“Entre nós a planta é usada, como fumo ou em infusão, e entra na composição de certas beberragens, empregadas pelos “feiticeiros”, em geral pretos africanos ou velhos caboclos. Nos “candomblés” - festas religiosas dos africanos, ou dos pretos crioulos, deles descendentes, e que lhes herdaram os costumes e a fé – é empregada para produzir alucinações e excitar os movimentos nas danças selvagens dessas reuniões barulhentas. Em Pernanmbuco a herva é fumada nos “atimbós” - lugares onde se fazem os feitiços, e são frequentados pelos que vão aí procurar a sorte e a feliciadade. Em Alagoas, nos sambas e batuques, que são danças aprendidas dos pretos africanos, usam a planta, e também entre os que “porfiam na colcheia”, o que entre o povo rústico consistem em diálogo rimado e cantado em que cada réplica, quase sempre em quadras, começa pela deixa ou pelas últimas palavras de contendor”.

Foucault ressaltou que durante a passagem da monarquia para a república, a proteção do corpo do rei foi substituída proteção do corpo social. No Brasil, a Abolição da Escravatura, em 1888, a Proclamação da República, em 1889, o Código Penal de 1890, que entrou em vigor um ano antes da primeira Constituição Republicana, de 1891, e o discurso positivista lombrosiano vigente são conexões históricas fundamentais para se compreender a criminalização da maconha. Este processo de criminalização, no contexto da busca pela assepsia da sociedade, serviu de instrumento para o controle social e a segregação dos negros. Depois de 1888, os escravos foram libertados do açoite da senzala, mas continuaram presos pelo racismo embasado no positivismo lombrosiano. Todos estes elementos demonstram como a luta pela descriminalização da maconha é estratégica para a liberdade e a democracia.

Um ano antes da própria Constituição da República, em 1890, não por acaso, foi criada a "Seção de Entorpecentes Tóxicos e Mistificação" para combater cultos de origem africana e ao uso da cannabis, utilizada em rituais do Candomblé, considerado “baixo espiritismo”.

Observem que a escravidão foi abolida em 1888, a República foi proclamada em 1889 e a sua Constituição entrou em vigor em 1891. Antes mesmo de sua lei maior, a República trata de instaurar dois instrumentos de controle dos negros em 1890: Código Penal e a "Seção de Entorpecentes Tóxicos e Mistificação".

Por Dr. ANDRÉ BARROS, advogado da Marcha da Maconha

http://twitter.com/advandrebarros

https://www.facebook.com/advogadoandrebarros

1 comments:

SkaRudy disse...

Muito bom texto. Traz a verdade... Nossa santa erva proibida por puro preconceito.. Preconceito aos ritos, as danças... A cultura africana. Continuamos nesse mesmo ritmo, já que os encarcerados pela posse continuam sendo os mais desfavorecidos de nossa sociedade.

E os hipócritas caretas ainda dizem que vivemos em uma sociedade com plena liberdade...

Santa hipocrisia!

Postar um comentário

 
 

NÃO COMPRE, PLANTE!

 

Vamos curtir galera!

Follow maconha_dalata on Twitter

Esquadrilha da Fumaça

Visitas

 
Real Time Web Analytics