quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Entrevista: Dr. João Menezes (Parte 2)

Como prometido, segue o post com a continuação da entrevista com o Dr.João Menezes, PhD pelo Massachusetts General Hospital e Harvard Medical School e Neurocientista do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ.

Não deixem de ler esta entrevista cheia de informação!

Boa leitura!

As chamadas crises amotivacionais que se diz que a maconha desencadeia em jovens, realmente são causadas pela droga ou existe uma gama de outros problemas como a própria transição para a fase adulta e a própria personalidade de todo jovem que tende a querer escapar dos padrões da sociedade e ser revoltado?

Eu acho que ainda temos muito que aprender e estudar sobre a chamada síndrome amotivacional do usuário, principalmente o jovem, da Cannabis. Não é uma área que tenho grande familiaridade, mas baseado em que já li sobre o assunto, ainda não estou convencido de um efeito direto da Cannabis. Falta ciência objetiva, existe alguma abordagem empírica, algumas correlações, mas falta testar muitas das hipóteses subjacentes, inclusive aquela contida na sua indagação, isto é, a anedonia observada é advinda do uso abusivo da Cannabis ou surge da interação do jovem/usuário com seu meio ambiente? Acho que não temos ainda uma resposta satisfatória para esta pergunta. Mas, anedoticamente, todos conhecem pelo menos um “maconheiro desmotivado”, ou melhor “motivado” a ficar sentado na almofada. Não acho que a Cannabis cause diretamente esta desmotivação, mas com certeza não ajuda a sair dela. Vou fazer uma pequena brincadeira, uma extrapolação. É conhecimento corrente entre os estudiosos dos componentes da Cannabis, os canabinóides, que estes tem o que chamamos de efeito em “U”, ou seja, em doses baixas tem um determinado efeito, numa dose maior um efeito diferente, às vezes antagônico mesmo, e com doses ainda maiores volta a um efeito semelhante ou no mesmo sentido da dose menor. Ou seja, extrapolando para o indivíduo, talvez isto explique por que para algumas pessoas a Cannabis ajude a achar motivação, a encontrar novos horizontes a enfrentar a vida e para outras pessoas produzam uma paralisação uma acomodação, até mesmo medo da vida. Ou seja, é uma arte achar a dose ideal para cada situação e pessoa. 

Não é difícil imaginar que o abuso e consequentemente doses mais altas possam prejudicar, especialmente o jovem em formação. Usar Cannabis é coisa séria e o jovem deve evitar seu uso até a idade adulta, quando o caminho do autoconhecimento já foi trilhado o suficiente, e os grandes processos de construção cerebral envolvidos no prodigioso poder de aprendizado da juventude já cessaram ou são menos relevantes.

Um dos argumentos muito fortes usados pelos proibicionistas é justamente que maconha desencadeia esquizofrenia. Afinal, a maconha desencadeia esta doença? E por ventura, existe algum grupo de risco que não deveria se utilizar da maconha?
Existem fortes indicações que a maconha desencadeia surtos psicóticos em alguns pacientes jovens suscetíveis. E sim, existem grupos de risco que não deveriam abusar da Cannabis. Estes são formados por pessoas suscetíveis para doenças mentais, e jovens adolescentes, especialmente os muito jovens. É importante frisar que é o abuso, e não o uso, que deve ser absolutamente evitado. Não existem evidências que pouco uso desencadeie ou leve a problemas mentais. Tampouco existem evidências que o uso por adultos leve a surto psicóticos ou outras doenças mentais.

As evidências da associação do uso da canabis com a doença esquizofrenia, deriva de estudos clínicos e epidemiológicos. Algumas destas evidências são muito fortes em relação a adolescentes que abusam da Cannabis, isto é, que fazem uso frequente diário e intenso. A esquizofrenia é uma doença relativamente rara, de cada 100 pessoas uma pode apresentar a doença franca. Como alguns estudos sugerem que o uso abusivo da Cannabis na adolescência dobra o risco de desenvolver a doença, podemos esperar que de cada 100 destes jovens dois podem apresentar a doença, um a mais do que no caso dos usuários leves e dos não usuários. O interessante é que destes 100 jovens ‘abusadores’, 98 não vão desenvolver a doença. Ou seja, apenas uma minoria é suscestível a este efeito potencial. De fato, existem evidências de que alguns destes pacientes que usaram Cannabis e desenvolveram psicose apresentam variações genéticas que conferem suscetibilidade a esquizofrenia. Hoje em dia acredita-se que o uso da canabis por jovens talvez não cause novos casos de esquizofrenia, mas desencadeam os sintomas mais precocemente. O que é por si só é muito grave, mas não indica que a maconha cause novos surtos em pacientes que não iriam desenvolver a doença. Isto é substanciado por um levantamento na Inglaterra publicado em 2009, onde não foi observado um aumento na incidência de esquizofrenia num período de 30 anos, apesar do uso crescente da Cannabis pela população desde a década de 60. No entanto, existe atualmente uma tendência mundial de um início mais precoce da doença, que pode ter correlação com o maior uso da Cannabis pela população, mas que também pode ter correlação com outros fatores explicativos, como a maior urbanicidade da população mundial. A preocupação sobre a associação do uso da Cannabis com esquizofrenia é em parte justificável. No entanto ainda temos muito o que estudar sobre o assunto.

A esquizofrenia não é uma doença única, e suas causas subjacentes não são bem conhecidas ainda. São diversos os fatores que podem desencadear surtos psicóticos. Por exemplo, fazer parte de uma minoria (étnica, social, econômica) ou o simples fato de viver em cidades aumenta muito as chances de desenvolver alguma variação da doença. É bem conhecido que o estresse de ser oprimido, de ser marginal, de ser perseguido, pode desencadear a doençaem pessoas suscetíveis. Ou seja, não existe nenhum estudo populacional até o presente que tenha sido realizado em lugares onde a canabis não é proibida e reprimida, pois estes ainda não existem. Em conclusão, talvez o que leve a doença em pessoas suscetiveis, não seja a droga em si, mas a sua condição marginal! A proibição pode ser o efeito disparador e não a canabis por isoladamente. Esta possibilidade é reforçada por um estudo antigo comparando a incidência de esquizofrenia em pacientes jamaicanos vivendo na Jamaica ou na Europa. O índice de esquizofrenia nesta população é muito menor no país de origem. Não que a droga não seja proibida na Jamaica, mas é socialmente mais aceita por grande parte da população. E obviamente, ser negro, pobre e ‘maconheiro’ na Europa não é exatamente uma vida sem estresse.
Em resumo, apesar de fortes vínculos do uso da Cannabis com surtos psicóticos em jovens, este não é um motivo para não legalizar a planta, em especial, volto a reforçar, com a legalização os jovens serão mais protegidos e não ao contrário. E os pacientes suscetíveis mais facilmente identificados e orientados.

Você crê que caso a maconha fosse tolerada no Brasil, assim como na Holanda, Espanha e entre outros lugares, haveria realmente um aumento de usuários, ou as pessoas poderiam ter uma falsa impressão de aumento porque com uma tolerância, talvez muitos “sairiam do armário” e perderiam o estigma que envolve o usuário de maconha?

Existe espaço para crescimento do consumo, sim. No Brasil o uso de maconha é bem abaixo de outros países com história e valores semelhantes. Mas este possível incremento de usuários não significa algo negativo, nem que o consumo vá crescer para níveis maiores do que os observados hoje me dia em Portugal, Holanda e Espanha, países que adotam uma política mais sensata. Provavelmente não chegaríamos nem perto do consumo observado nos EUA, um país super proibicionista. Mas quanto vai crescer é mera especulação. Importa? Não, na minha opinião. Não importa que cresça o número de usuários, desde que este crescimento seja restrito a faixas etárias mais velhas.
Acredito que com a legalização conseguiremos reduzir o consumo entre os jovens. Mais precisamente, com a legalização o controle sobre o consumo por adolescentes poderá ser muito mais eficiente. Por vários motivos: 1. Diretamente: dificultando o acesso, pois os centros de distribuição serão conhecidos e objeto de fiscalização; 2. Pela desmistificação: a Cannabis irá perder seu estigma de atividade marginal, tirando este atrativo para o jovem. Além disto, como a droga poderá ser consumida na maturidade, vai tirar a ânsia e experimentá-la antes do tempo; 3. Pela informação: com o fim da irracionalidade na politica sobre drogas, a divulgação de informações precisas e confiáveis será maior e mais eficiente.

 A coerência da informação não provocará a desconfiança natural que o jovem tem quando aprende sobre drogas pelas autoridades competentes. Veja, atualmente quando um agente governamental tenta avisar dos perigos, alguns verdadeiros, do uso das drogas, ele não é levado a sério, pois o jovem percebe os exageros, as falácias, percebe que a Cannabis não é assim tão perigosa como descrevem. Com esta dissonância cognitiva, do que lhe é dito e do que é percebido, os avisos verdadeiros são descartados junto com o lixo da demonização e desinformação presente nos discursos atuais.

Por que ainda o Brasil é um país tão restritivo no aspecto científico/de pesquisa em relação à Cannabis?

Existem motivos históricos e sociais para isto, até um pouco de racismo subjacente. É importante ressaltar que médicos, cientistas e outros agentes de saúde estão sujeitos às mesmas influências histórico-sociais que toda a população. São influenciados igualmente pelas crendices de seu tempo. A diferença é que inerente à profissão de cientista, um pouco também no caso dos agentes de saúde, esta o confronto permanente do conhecimento aceito com os fatos objetivamente adquiridos. Acredito que aos poucos estas barreiras irão cair, em especial quando os países modelos atuais, como os EUA e a comunidade Europeia, forem aceitando também o fim do proibicionismo.

Por que quando se fala do potencial médico da maconha, normalmente as pessoas ficam muito presas simplesmente ao ato de fumar/ ao fumo da maconha, sendo que existe uma infinidade de derivados e de compostos que poderiam ser aproveitados para fins terapêuticos?

Falta de conhecimento, de familiaridade. A Cannabis foi proibida internacionalmente em 1961, mas muito antes já se bania seu uso médico e social em vários países, pelas razões mais irracionais possíveis. Esta proibição se deu num período de ouro da farmacologia e da pesquisa biomédica. A Cannabis ficou de fora desta evolução por longo tempo. A abordagem científica da planta e de seus usos ficou restrita a poucos laboratórios e países. A cultura da Cannabis ficou restrita a quem se aventurava na vida “marginal”, e em poucas e corajosas iniciativas na fronteira entre o público e a medicina. Aos poucos, este quadro começa a mudar. Hoje em dia entendemos um pouco mais do sistema canabinóide e sabemos que seria irracional não estudar a planta, seus alcaloides e os correlatos de dentro do nosso corpo. O conhecimento foi explosivo nos últimos anos nesta área. A clínica tradicional ainda segue atrás, com poucas iniciativas capazes de criar estudos no padrão aceito pela indústria. Mas aos poucos estes conhecimentos vão se materializando em um corpo científico, e não demora as aplicações e compostos derivados vão surgir, na verdade muitos já estão disponíveis. O leigo neste caso foi determinante para a crescente aceitação da classe médica.

Sabemos que cientistas agem pelo conhecimento, não se importando com as imposições e culturas sociais. Contudo, por que ainda sim aqui no Brasil muitos cientistas e médicos preferem se esquivar do assunto, tratando-o de uma forma moralista?

Como expliquei acima, o médico (e também o cientista, o enfermeiro, o fisioterapeuta, etc.) esta sujeito às mesmas influências sociais que toda a população. Ou seja, não é verdade que cientistas e agentes de saúde não são influenciados pelas imposições culturais da época. Demora para que o preconceito formado ao longo de muitos anos de desinformação e campanhas moralistas seja modificado. Mas, outra questão importante sobre a dificuldade de aceitação da Cannabis como medicamento é que nossa cultura médica moderna não tem treinamento para o uso de fitoterápicos. O nosso médico, prefere o uso de substâncias em suas formas puras, o que traz vantagens terapêuticas inegáveis, pois o médico pode controlar a dose com mais precisão. Permite também ao médico identificar as respostas indesejadas mais facilmente, e tirar uma ou outra substancia do tratamento se necessário. O método científico é melhor aplicado aos estudos farmacológicos quando as substâncias estão em suas forma puras, pois são menos fatores a serem controlados. Desta forma testes clínicos relevantes podem ser realizados e o grau de certeza aumentado, conferindo grande poder a esta estratégia terapêutica.

Mas, isto não invalida a abordagem com fitoterápicos. Fitoterápicos apresentam vantagens próprias, e a Cannabis ‘in natura’ não é exceção. A Cannabis apresenta pelo menos setenta substancias relacionadas chamadas de canabinóides. O THC é apenas uma destas substâncias. O THC é o canabinóide de maior concentração na planta e é a substância responsável pelo maior parte do efeitos psíquicos. No entanto, vários outros canabinóides apresentam ação farmacológica importante, alguns como o canabidiol (CBD), apresentam inclusive efeitos antagônicos ao THC. Hoje em dia sabemos que é o equilíbrio entre estas substancias, o principal responsável pelos efeitos terapêuticos da planta. Por exemplo, apesar do THC aumentar a ansiedade nos usuários, o canabidiol é um potente ansiolítico, apresentando um resultado final potencialmente calmante no usuário. Esta é a principal razão da preferência dos usuários da Cannabis Medicinal para a Cannabis ‘in natura’, em comparação ao uso do remédios a base de THC purificado como o Marinol ou o Dronabinol. Outro efeito importante da planta ‘in natura’, é o melhor acerto da dose terapêutica pelo próprio paciente, evitando os efeitos da superdosagem que são as vezes observados com as formas purificadas e que não são relatados com o uso da planta ‘in natura’.

Com a legalização e regulamentação do uso medicinal desta planta poderemos ver uma maior aceitação pela classe médica para o uso terapêutico da planta e um maior entendimento dos seus efeitos terapêuticos. Isto vai possibilitar o que já vem acontecendo, a criação de variedades da planta com diferentes concentrações destes canabinóides para aplicação na terapia para diferentes enfermidades bem como o desenvolvimento de farmácos com misturas balanceadas destes princípios ativos, possibilitando melhores investigações clínicas para otimizar o efeito terapêutico dos remédios derivados desta planta, e a criação de protocolos de estudo e de terapia nos moldes atuais utilizados para o desenvolvimento e regulamentação de farmácos. Isto com certeza aumentariam a aceitação da classe médica no uso da CannabisMedicinal e seus derivados.

1 comments:

André Barros disse...

Doutor João sempre tem razão, ainda mais nesse mundo careta de pessoas que nascem carregando uma série de preconceitos. Sensacional como sempre, ANDRÉ BARROS

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