O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, líder da Comissão
Global de Políticas sobre Drogas, defende o uso da maconha para fins
medicinais, desde que governos adotem políticas de regulação e os efeitos
científicos sejam comprovados. Mesmo criticado pela ala conservadora, o
sociólogo continua levando o tema para os quatro cantos do mundo.
Em Varsóvia, na Polônia, reuniu ex-chefes de governo,
especialistas e empresários para debater modelos que possam fazer avançar sua
constatação de que a guerra contra as drogas fracassou e novas estratégias
precisam ser encontradas. A seguir, confira alguns trechos da entrevista
concedida por FHC ao jornal Estado de São Paulo.
Qual a situação das drogas no Leste Europeu?
Além da violência, existe forte crise de saúde pública e
abuso de direitos humanos. O problema central é o consumo de drogas injetáveis
- heroína - e sua relação com a pandemia de HIV. Na Rússia e em outros países
da região, a epidemia de HIV continua crescendo. Hoje, 1 em cada 100 adultos é
HIV positivo na Rússia e 80% dos novos casos estão ligados ao uso de drogas
injetáveis ou sexo com parceiros que usam drogas. E faltam políticas amplas de
redução de danos e tratamento.
A ONU constata que o Brasil tem se transformado em
plataforma da passagem da droga entre Andes e Europa. O governo atua de forma
suficiente? Como frear esse uso do território nacional?
Isso não é novo. O Brasil, além de ter se tornado um grande
consumidor, é um país de trânsito de drogas. A maioria dos países tem se
preocupado com suas fronteiras e investido em inteligência, mas temos visto que
o foco excessivo na redução da oferta não resolve o problema das drogas.
Enquanto houver demanda, os traficantes darão um jeito de fornecer as drogas.
Por isso defendemos uma estratégia mais equilibrada, que possa reduzir os
danos.
O sr. é a favor de liberar maconha para uso medicinal? A
comissão tem uma posição sobre isso?
Hoje, 17 Estados norte-americanos e países como Holanda e
Israel têm programas de fornecimento de maconha medicinal para pacientes com
esclerose múltipla, ansiedade e efeitos colaterais como náuseas e perda de peso
causadas por quimioterapia e tratamentos para HIV. Os mais modernos estudos
demonstram que drogas lícitas como álcool e tabaco causam mais danos à saúde
que maconha. A recomendação é que os governos experimentem com modelos de
regulação da maconha para reduzir os danos sociais de sua proibição e permitir
o acesso ao medicamento nos casos clínicos comprovados.
Que impacto teria a regulação?
A regulação corta o vínculo entre traficantes e consumidores
e facilita o acesso a tratamento para os que necessitam. Regular não é liberar,
mas criar controles e restrições sobre a produção, comércio e consumo de uma
substância, para desencorajar e controlar de fato esse mercado, que hoje está
nas mãos de organizações criminosas. A espetacular redução no consumo de tabaco
na Europa e na América mostra que prevenção e regulação são mais eficientes que
proibição e punição.
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