No Rio de Janeiro do século XIX, houve quem distribuísse
panfletos ensinando como cultivar a Cannabis sativa. Sim, é essa a planta de
onde se extrai a maconha. A Biblioteca Nacional restaurou um desses panfletos
que circulou na capital do Império em 1827. Agora, digitalizado e microfilmado,
o documento está disponível para o público.
Ana Virgínia Pinheiro, chefe da Divisão de Obras Raras,
conta que esse não é o único material sobre a Cannabis no acervo. “Não enviei
para restauração todos de uma vez para não parecer que estávamos fazendo
apologia”, brinca. “Se pesquisarmos mais nos acervos de Botânica, com certeza
vamos encontrar mais desse tipo de material porque o uso não era só como
droga”, explica Ana Virgínia.
Ela comenta que a importância de ter à disposição documentos
como esse panfleto – intitulado Instrucções para a cultura do Linho Canamo:
Canabis sativade Linneo, de autoria anônima – é poder fazer pesquisas mais
sérias e sem viés político sobre as plantas que fornecem matéria-prima para
drogas. “É possível saber de maneira fidedigna e documentada o modo como a
História tratou alguns assuntos ao longo do tempo”, conta.
A obra, que tem o selo da Typographia Imperial e Nacional,
tem baixa qualidade de impressão, o que, segundo Ana Virgínia, é um forte
indicador de que a tiragem foi grande, já que impressão ruim diminuía os
custos. “É provável que tenha circulado como material de informação para bastante
gente, mas tinha um caráter mais científico. Não era um cartaz para afixar, era
para dar de mão em mão, porque é uma folha em frente e verso”, diz a
especialista.
Érica Canarim, psicóloga do Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Atenção ao Uso de Drogas (Nepad) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
explica que o linho de cânhamo era muito usado pela indústria por causa de seu
uso versátil. “Os próprios boticários, antes da proibição, faziam fórmulas com
maconha”, afirma Érica.
“A Cannabis que faz o linho de cânhamo é muito eficiente.
Com ela é possível fabricar papel, tecidos naturalmente, repelentes de insetos
e até gerar energia com biomassa. Ela produz fibras mais resistentes que o
algodão e uma única planta faz fios de até 4 metros”, comenta a especialista.
“É como a cana-de-açúcar ou o milho. Tudo dela se aproveita”, completa.
O panfleto restaurado pela Biblioteca Nacional indica, logo
nas primeiras linhas, vários usos possíveis para a planta, depois segue
ensinando como cultivar bem o cânhamo. Em especial, é citado o uso para
navegação. “Dele não só se fazem cabos, amarras, e toda a sorte de cordoalha
(além da estopa, que se tira no seu preparo), mas também se fabricam lonas, e
outros tecidos mais ou menos grosseiros, conforme o seu fio: até as suas
sementes são um ramo de comércio”, descreve o documento.
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